Conheceram-se dentro do rigoroso inverno do Sul, em 85.
Digitavam cheques,
montes de cheques, à noite em um banco comercial no centro da cidade em frente
ao chalé da praça XV. Ao final do expediente, nas madrugadas, saiam para comer bauru
no Van Gogh ou para beber cervejas no Escaler.
Eram jovens. Vibrantes.
Com ideias próprias. Cheios de testosterona. Duros. Sem becapes. Porem, com
algum estilo.
A vida lhes permitirá
sempre essa grata lembrança.
Mais adiante foram
vizinhos. Gostavam de caminhar as tardes ao sol a beira do Guaíba. A noite, acompanhados
por uma ceva gelada, curtiam o castelinho do Alto do Bronze, da esquina do Bar
do Vasco.
Eram dias magros
aqueles. Dias de inflação alta.
“Posso tomar um banho
no teu apê? cortaram minha luz.” Disparou, Wilbur.
“Não. Também
cortaram a minha.” Retornou, Kovaski.
Verdadeiros
amigos. Só tinham a amizade a oferecer um ao outro.
Wilbur sabia como
queria participar da vida. Queria participar da vida como um educador, um intelectual
das humanas.
Kovaski não sabia
como queria participar da vida. Ainda não havia decidido.
Wilbur, ator e débil
mental. O assistente de Fitzcarraldo. Assim estava escrito no livro.
Kovaski, o
imediato. Assim era anunciado pelo seriado Viagem ao Fundo do Mar.
Certa noite decidiram
subir os mais de 100 metros da torre da usina do gasômetro. Já no primeiro
terço desistiram. Talvez, por falta de coragem. Talvez, pela lembrança de paixões
contrariadas.
Em outra noite decidiram,
de graça, entrar em uma boa briga. Nunca haviam estado juntos em um confronto
brutal. Beberam e saíram para rua como dois cães idiotas.
Na primeira
encrenca que encontraram o sujeito sacou a arma e apontou para eles. Terminou
assim o quem nem havia começado.
Em uma nova
aventura, saíram altos pela noite. Estavam no fusca azul do Wilbur. Foram
barrados em uma blitz da policia militar. Tiveram fuzis apontados para cabeça. Foram
confundidos com bandidos.
Kovaski saiu do
carro gritando que era irmão do governador do estado. Não ajudou muito. Kovaski
era branco. O governador do estado negro. Não colou.
Gremistas,
assistiram juntos a várias vitórias do Imortal no Olímpico. Hoje, não assistem
mais.
Gostavam de beber.
Gostavam de jogar bilhar. Jogavam bola 8 no Bar João.
Eram realmente bons
nisso. O Bar João tinha uma parede repleta de vidros de cachaça. De todos os
tipos. Havia de tudo nos vidros: ervas, frutas, tijolo, cobra, folhas, até pequenos
animais. Vez ou outra, tomavam um martelinho daquilo.
Choravam quando sorrir estava na moda.
Wilbur &
Kovaski. Verdadeiros personagens de uma literatura esquecida.
Foi então que
Wilbur apresentou o Rosa Norte ao Kovaski. A praia. O terreno bucólico. O pequeno
chalé verde desbotado de madeira, sem água e sem luz, que estava sobre o terreno.
Kovaski topou na
hora. Também comprou um terreno no Rosa Norte.
Mais adiante, sem
direção, Kovaski atirou o fusca do Wilbur contra um poste em um barranco. Destruiu
o fusca. Acabando com a luz do Rosa Norte. Precisou vender o terreno para
saldar os estragos.
Foi então que
Kovaski apresentou o surfe ao Wilbur.
Wilbur topou na
hora. Comprou a primeira de uma série de pranchas.
Juntos entraram
no mar do Rosa Norte. Kovaski dava as direções. Entra nessa. Não entra naquela.
Rema, rema, rema...
Wilbur tomou
todos os caixotes do mundo. Um seguido do outro. Não aprendeu a surfar naquele
ano. Entretanto hoje, Wilbur surfa. Kovaski, não.
Passaram vários verões
e feriados no Rosa Norte. Vivenciaram o bastante para acreditar no possível.
Bebiam um engradado
de cerveja por dia. Acompanhado de costela e vazio. O assado de todo dia.
Churrasco sagrado. Fogo de chão.
Antes ainda do
sol se por, entravam no mar. Pegavam uma nesga de sol. Esticavam o corpo. Produziam
uma higiene mental. Curavam o porre.
Por algum motivo,
curtiam pensar que eram uma espécie de “selvagens modernos”.
A noite seguiam
as trilhas de encontro as mesas de bilhar no Bar do Ilsinho, o burro.
Eram bons amigos.
Pouco discordavam. Discutiam ideias. Nunca brigaram.
Kovaski, entusiasta
dos poemas. Wilbur, da história e dos filósofos.
Sabiam ouvir,
esperar e falar. Sabiam que a vida era um jogo feroz do qual certamente não
sairiam vivos.
Não contrariavam
Bukowski. Chutavam a morte na bunda.
A vida seguia para
o lado que sempre seguiu, de encontro ao destino.
Kovaski saiu da
cidade em busca de algo melhor. Wilbur permaneceu na cidade em busca de algo
melhor. A batalha era justa para ambos.
Continuaram em
contato permanente. Trocavam e-mails. Telefonemas. Viam-se eventualmente.
Encontraram-se na
Cidade Maravilhosa. Wilbur, apresentou sua nova namorada. Kovaski, sua
futura esposa.
Juntos subiram os
750 metros do Corcovado. Cristo os recebeu de braços abertos. O céu estava vestido
de um azul esplêndido.
Atravessaram a virada
do ano na orla de Copacabana. Tomaram champanhe a beira do mar, em uma noite em
que os fogos não estiveram tão maravilhosos.
A vida continuava.
O outono derrubava mais do que folhas. O tempo tratava de seus dias. Os anos
acumulavam anos.
Wilbur, tornou-se
um conhecido Doutor em História do Brasil. Acadêmico, ministrava aulas em
universidades.
Kovaski, tornou-se
um Sênior Gerente de Projeto da Tecnologia da Informação. Gerenciava projetos em
uma grande empresa global.
Então encontraram-se
na maior cidade do país. Wilbur voou para Sampa para juntar-se a Kovaski.
Wilbur, apresentou
sua outra nova namorada. Kovaski, apresentou sua esposa atual, agora não mais
futura.
Novamente juntos.
Visitaram o museu do futebol. Tiraram selfies. Beberam chope com colarinho e também
ótimos vinhos. Saíram com as mulheres para dentro da noite. Felizes, dançaram
até às quatro da manhã no Little Darling.
Na tarde daquela mesma
noite estiveram na mesa de bilhar com outros dois conhecidos do Kovaski.
Novamente bola 8.
Dois contra dois. Eles contra os conhecidos do Kovaski. Estava no papo. Fácil. Perderam
o jogo, claro.
Cinquentões
comemorando 30 anos de amizade.
Ano passado
encontraram-se no Rosa Norte. Kovaski não aparecia por lá há vários anos. Os
filhos estavam presentes.
O tempo arrasta
consigo modificações. O bucólico do lugar já não era mais o mesmo. A energia
presente sim. Beberam. Comeram churrasco juntos. Ninguém como churrasco
sozinho, afinal.
O sol forte
aquecia os dias amarelos. Entraram no mar acompanhados dos filhos. Wilbur
dropou algumas. Kovaski só fez brincar. Ainda assim, o velho lobo do mar estava
de volta à cena.
A amizade será eterna
enquanto o vigor dos tempos permitir. Um certo altruísmo permeia tudo isso.
Os verdadeiros
amigos constroem pontes infinitas. Saúde, um brinde final as nossa virtudes.
Grande Tito, entre a fantasia real e a suposta realidade caminhmos juntos na amizade enquanto o tempo brinca com nossos sonhos!
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