sexta-feira, 13 de maio de 2016

UMA BALADA PARA WILBUR & KOVASKI







Conheceram-se dentro do rigoroso inverno do Sul, em 85.

Digitavam cheques, montes de cheques, à noite em um banco comercial no centro da cidade em frente ao chalé da praça XV. Ao final do expediente, nas madrugadas, saiam para comer bauru no Van Gogh ou para beber cervejas no Escaler.

Eram jovens. Vibrantes. Com ideias próprias. Cheios de testosterona. Duros. Sem becapes. Porem, com algum estilo.

A vida lhes permitirá sempre essa grata lembrança.

Mais adiante foram vizinhos. Gostavam de caminhar as tardes ao sol a beira do Guaíba. A noite, acompanhados por uma ceva gelada, curtiam o castelinho do Alto do Bronze, da esquina do Bar do Vasco.

Eram dias magros aqueles. Dias de inflação alta.

“Posso tomar um banho no teu apê? cortaram minha luz.” Disparou, Wilbur.

“Não. Também cortaram a minha.” Retornou, Kovaski.

Verdadeiros amigos. Só tinham a amizade a oferecer um ao outro.

Wilbur sabia como queria participar da vida. Queria participar da vida como um educador, um intelectual das humanas.  

Kovaski não sabia como queria participar da vida. Ainda não havia decidido.

Wilbur, ator e débil mental. O assistente de Fitzcarraldo. Assim estava escrito no livro.

Kovaski, o imediato. Assim era anunciado pelo seriado Viagem ao Fundo do Mar.

Certa noite decidiram subir os mais de 100 metros da torre da usina do gasômetro. Já no primeiro terço desistiram. Talvez, por falta de coragem. Talvez, pela lembrança de paixões contrariadas.  

Em outra noite decidiram, de graça, entrar em uma boa briga. Nunca haviam estado juntos em um confronto brutal. Beberam e saíram para rua como dois cães idiotas.

Na primeira encrenca que encontraram o sujeito sacou a arma e apontou para eles. Terminou assim o quem nem havia começado.

Em uma nova aventura, saíram altos pela noite. Estavam no fusca azul do Wilbur. Foram barrados em uma blitz da policia militar. Tiveram fuzis apontados para cabeça. Foram confundidos com bandidos.

Kovaski saiu do carro gritando que era irmão do governador do estado. Não ajudou muito. Kovaski era branco. O governador do estado negro. Não colou.

Gremistas, assistiram juntos a várias vitórias do Imortal no Olímpico. Hoje, não assistem mais.

Gostavam de beber. Gostavam de jogar bilhar. Jogavam bola 8 no Bar João.

Eram realmente bons nisso. O Bar João tinha uma parede repleta de vidros de cachaça. De todos os tipos. Havia de tudo nos vidros: ervas, frutas, tijolo, cobra, folhas, até pequenos animais. Vez ou outra, tomavam um martelinho daquilo. 

Choravam quando sorrir estava na moda.

Wilbur & Kovaski. Verdadeiros personagens de uma literatura esquecida.

Foi então que Wilbur apresentou o Rosa Norte ao Kovaski. A praia. O terreno bucólico. O pequeno chalé verde desbotado de madeira, sem água e sem luz, que estava sobre o terreno.

Kovaski topou na hora. Também comprou um terreno no Rosa Norte.  

Mais adiante, sem direção, Kovaski atirou o fusca do Wilbur contra um poste em um barranco. Destruiu o fusca. Acabando com a luz do Rosa Norte. Precisou vender o terreno para saldar os estragos.

Foi então que Kovaski apresentou o surfe ao Wilbur.

Wilbur topou na hora. Comprou a primeira de uma série de pranchas.

Juntos entraram no mar do Rosa Norte. Kovaski dava as direções. Entra nessa. Não entra naquela. Rema, rema, rema...

Wilbur tomou todos os caixotes do mundo. Um seguido do outro. Não aprendeu a surfar naquele ano. Entretanto hoje, Wilbur surfa. Kovaski, não.

Passaram vários verões e feriados no Rosa Norte. Vivenciaram o bastante para acreditar no possível.

Bebiam um engradado de cerveja por dia. Acompanhado de costela e vazio. O assado de todo dia. Churrasco sagrado. Fogo de chão.  

Antes ainda do sol se por, entravam no mar. Pegavam uma nesga de sol. Esticavam o corpo. Produziam uma higiene mental. Curavam o porre.

Por algum motivo, curtiam pensar que eram uma espécie de “selvagens modernos”.

A noite seguiam as trilhas de encontro as mesas de bilhar no Bar do Ilsinho, o burro.

Eram bons amigos. Pouco discordavam. Discutiam ideias. Nunca brigaram.

Kovaski, entusiasta dos poemas. Wilbur, da história e dos filósofos.

Sabiam ouvir, esperar e falar. Sabiam que a vida era um jogo feroz do qual certamente não sairiam vivos.

Não contrariavam Bukowski. Chutavam a morte na bunda.

A vida seguia para o lado que sempre seguiu, de encontro ao destino.

Kovaski saiu da cidade em busca de algo melhor. Wilbur permaneceu na cidade em busca de algo melhor. A batalha era justa para ambos.

Continuaram em contato permanente. Trocavam e-mails. Telefonemas. Viam-se eventualmente.

Encontraram-se na Cidade Maravilhosa. Wilbur, apresentou sua nova namorada. Kovaski, sua futura esposa.

Juntos subiram os 750 metros do Corcovado. Cristo os recebeu de braços abertos. O céu estava vestido de um azul esplêndido. 

Atravessaram a virada do ano na orla de Copacabana. Tomaram champanhe a beira do mar, em uma noite em que os fogos não estiveram tão maravilhosos.

A vida continuava. O outono derrubava mais do que folhas. O tempo tratava de seus dias. Os anos acumulavam anos.

Wilbur, tornou-se um conhecido Doutor em História do Brasil. Acadêmico, ministrava aulas em universidades.

Kovaski, tornou-se um Sênior Gerente de Projeto da Tecnologia da Informação. Gerenciava projetos em uma grande empresa global.

Então encontraram-se na maior cidade do país. Wilbur voou para Sampa para juntar-se a Kovaski.

Wilbur, apresentou sua outra nova namorada. Kovaski, apresentou sua esposa atual, agora não mais futura.

Novamente juntos. Visitaram o museu do futebol. Tiraram selfies. Beberam chope com colarinho e também ótimos vinhos. Saíram com as mulheres para dentro da noite. Felizes, dançaram até às quatro da manhã no Little Darling.

Na tarde daquela mesma noite estiveram na mesa de bilhar com outros dois conhecidos do Kovaski.

Novamente bola 8. Dois contra dois. Eles contra os conhecidos do Kovaski. Estava no papo. Fácil. Perderam o jogo, claro.

Cinquentões comemorando 30 anos de amizade.

Ano passado encontraram-se no Rosa Norte. Kovaski não aparecia por lá há vários anos. Os filhos estavam presentes.

O tempo arrasta consigo modificações. O bucólico do lugar já não era mais o mesmo. A energia presente sim. Beberam. Comeram churrasco juntos. Ninguém como churrasco sozinho, afinal.

O sol forte aquecia os dias amarelos. Entraram no mar acompanhados dos filhos. Wilbur dropou algumas. Kovaski só fez brincar. Ainda assim, o velho lobo do mar estava de volta à cena.

A amizade será eterna enquanto o vigor dos tempos permitir. Um certo altruísmo permeia tudo isso.  

Os verdadeiros amigos constroem pontes infinitas. Saúde, um brinde final as nossa virtudes.  



Um comentário:

  1. Grande Tito, entre a fantasia real e a suposta realidade caminhmos juntos na amizade enquanto o tempo brinca com nossos sonhos!

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