domingo, 5 de novembro de 2017

Clínica holística do pós-verdade...





Existe espaço
para ideologias
no pós-verdade?

Tudo se posta
nada se aposta
nada se confirma
são como caminhos desfeitos
em nuvens de algodão-doce

Correm híbridos pensamentos
sob esse pano de chuva
que se dissipa na polarização
dos novos tempos

Eu acredito
que você acredita
que devemos acreditar
naquilo que um dia acreditamos

Porém, vejo uma janela aberta
e ela chupa
a escuridão para dentro

Esse planeta cansado
e suas tecnologias
ultrapassadas
Esse planeta que nasceu
sem o homem
e morrerá sem ele
Esses olhos panos de ceda
e de luas desfeitas
Essas virtudes pendentes
na inclusão do cotidiano

Resta-nos o que?
A dúvida do que não virá? Ou
a certeza de tudo não ser?


sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Hibiscos do Vento Sul





Escrevo para açoitar
as horas magras e indeléveis,
e sobretudo
para dissipar a dor

Persigo essa profissão de fé a anos,
não atinjo lugar algum

Ainda assim,
já fidelizei sete leitores,
menos...

É como se tudo fosse
a incompreensão do nada,
aos 52, menos ainda

Duros caminhos de solas antigas
atravessam e passam
feito pardal negro
desgarrado do horizonte

Essa chuva é sóbria demais
para nos levar,
não furtará  
momentos esquecidos

Nosso tempo, nossa era,
nosso o que?

Fica. A morte ronda. Não vás!

Somos a incógnita do que um dia
já fomos

Tudo ou nada, é tão triste
que chega
a desalmar nosso dia

Fujo constantemente
da responsabilidade
de viver!



sábado, 1 de julho de 2017

FÚRIA, RUFA FÚRIA!






Uma segunda-feira existente de dor.

Um campo vazio de sono.

Já tudo não é mais. Já foi. Partiu.

Fúria, rufa fúria!

Escuto minha pequena angústia latir
dessa janela perdida.

Onde foi que me deixaram? Todos se foram, eu fiquei?

Desalmado ando translúcido atrás de mim.

Busco o inexprimível,
esmago palavras atordoadas de dor,
fujo.

Fúria, rufa fúria!

Vejo pela pequena abertura que me permitem ver 
que tudo já não está no lugar.

Sono, dúvida, medo e dor, que mundo é esse que criei para mim?

Onde está o sol, o mar e as ondas? Os dias lindos 
que passavam lambendo meus cabelos, 
     afagando minha alma.

Permaneço aqui ouvindo passos na escuridão e 
aguardando o ataque final.

Fúria, rufa fúria!

O pobre lirismo dos loucos e abandonados não espera...


NO CAMPO DA MEMÓRIA ENQUANTO A FUGA PERMITIR




 

- veio a mim agora isso,
essa distorção da fuga, ou
essa memoria fulgaz, ou
esse pequeno e silencioso
desejo de me contar -

Duas décadas atrás, 
caminhava eu
pelas tardes nuviosas
da misteriosa Amsterdam.

Sobre seus diversos canais
e suas pontes sobre eles,
entre as milhares de bicicletas
escutando o trim-trim metálico
de suas buzinas.

Dos países baixos
é a Veneza do norte,
sob tamancos coloridos
esculpidos a mão e deixados
a vista daqueles que por ali
estão turistando.

O museu Van Gogh,
a casa museu de Rembrandt,
a casa de Anne Frank,
e as poucas tulipas negras
escondidas e encontradas
surpreendentemente.

A triste visão emblemática
dos corpos acabados,
fumados e picados
na Praça Dam.

Ovos pochê
e queijos Brie
ao café da manhã.

Cerveja Amstel pulse
apreciada na temperatura ambiente
ante os transeuntes e
a beira do rio Amstel.

O bairro da Luz Vermelha
e as portas de vidros
com suas mulheres nuas
fotos, gritaria, tapas e
o filme sacado e devolvido
à prostituta da porta de vidro.

E aquele chafariz de metal
em forma de pênis
alheio a tudo
jorrando água na praça.

O vigor de tudo aquilo
tão distante agora
quanto estou eu
de mim mesmo...