quarta-feira, 19 de maio de 2021

 Um certo bigode insiste em me crescer.

Ei, psiu! Você aí do outro lado da tela, chega mais, me acompanhe nessa aqui por favor e venha compartilhar comigo da minha felicidade... 

Meu avô se chamava Tito. Meu pai chama Casimiro. Eu chamo Tito, e meu filho... não, não chama Casimiro. Entretanto, carrega o sobrenome português Monteiro, que, reza a lenda, descende do cavaleiro Rui Monteiro e que significa algo como guarda ou caçador de montes e montarias.   

Sou filho de portugueses transmontanos, ou seja, da região de Trás-os-Montes, nascidos em Moraes, uma freguesia do concelho de Macedo de Cavaleiros, distrito de Bragança. Uma “aldeia” antiga, simples e encantadora, onde tive o privilégio de passar dias maravilhosos com meu pai, bebendo bons vinhos e visitando a parte da família que mora do outro lado do oceano.  

Meus pais, assim como avó, tios e alguns primos, imigraram do norte de Portugal, no final da década de 1950 para o Brasil. Viajaram em um navio que depois de muitos dias aportou em Santos. Depois de algum tempo rumaram para o sul, para Porto Alegre, onde constituíram família e onde eu nasci. 

Meus pais e familiares, para minha sorte, nunca abandonaram suas tradições e raízes gastronômicas. Cresci em um cotidiano regado a vinho, bacalhau, azeitonas, azeites, embutidos, folares, estórias portuguesas e algum fado.  

Desde os domingos na Casa de Portugal com direito a sueca (jogo de baralho) e sardinhas assadas, passando pelo amassar das uvas para fazer o vinho e a graspa, pelo fumeiro dos chavianos e alheiras, até os contos, cobertos por neve do norte de Portugal e uivos de lobos, tudo, tudo sempre foi acompanhado de muita cultura portuguesa. 

Tás a ver? Preciso dizer que fui criado em uma casa portuguesa com certeza? 

Dessa forma, sempre me entendi mais gajo do que gaudério. Apesar de eu me orgulhar tanto do Laçador como do Galo de Barcelos, ou de gostar tanto do churrasco como do caldo verde, ou ainda, admirar tanto a poesia do Mario Quintana como a do Fernando Pessoa. 

Sobre piadas? Bom, tenho a dizer que o titular dessa página acaba se divertindo com as anedotas pelos dois lados.

Assim como, sou gremista porque meu pai é gremistas. E, meu pai é gremista por ser torcedor do Porto FC que tem a camisa parecida com a do Grêmio. Ele não teria como torcer para o Colorado, afinal os rivais alfacinhas do Benfica são os que vestem a camisa vermelha em Portugal. 

Na Eurocopa sempre torço para a seleção das Quinas (apelido da seleção portuguesa). Entre as seleções, para mim, é a que tem a camisa mais bonita. Eusébio foi o Pelé português. Deveria ter ganho a Copa de 1966, assim como CR7 ganhou a Eurocopa 50 anos depois, em 2016. Conheço o Hino português desde pequeno de tanto ouvir meu pai cantá-lo: “Às armas, às armas / Sobre a terra, sobre o mar / Às armas, às armas!” 

Creio que herdei do sangue português a honestidade, uma certa humildade e religiosidade, crenças e princípios, a disposição para o trabalho e uma profunda força de vontade. 

Mas o certo é que o minuano sopra forte lá no sul, e, certa vez, impulsionado por um vento momentâneo, iniciei o processo de requerimento da cidadania portuguesa. O fato é que agora me escapa a razão pela qual não dei sequencia ao processo. 

Porém, ano passado, meu filho questionou-me sobre essa cidadania, e eu recordei daquele provérbio escrito em um azulejo português “depois não adianta lamentar a morte da bezerra.” 

Então, antes tarde do que nunca e pensando mais nele do que em mim, nas oportunidades futuras (como circular livremente, estudar e trabalhar na União Europeia) que essa cidadania pode também trazer-lhe, tomei folego e retomei o processo do início. 

Assim como o minuano sopra o tempo voa. E, nessa semana, em uma manhã fria e ensolarada, não mais do que de repente, chegou por WhatsApp: “Tito Antonio Veiga Monteiro, o seu pedido de nacionalidade foi aprovado, estamos criando seu registro de cidadão português...” 

Hurra! É orgulho que fala? Português, oh pá! Ah, isso soa como um bom fado em meus ouvidos. 

É como já dizia o grande poeta português citado acima: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se.” Sem dúvida, nestes dias nefastos, uma alegria sempre vem bem a calhar. Podes crer. 

Me lembrei dos girassóis que minha mãe, Ana Augusta, cultivava, e da satisfação dela em cuidar daqueles girassóis. Saí para a rua em busca de um pouco de sol. Um sol, que no momento, me parecia mais brilhante do que nunca. 

Obrigado por me acompanhar em mais essa. Agora, deixo você com o belo poema Autopsicografia de Fernando Pessoa. Saúde a todos! 

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.