domingo, 31 de julho de 2016

TALVEZ HOUVESSE UM TEMPO



             


Onde o sono
permanecesse renovado
sonho.

Onde as manhãs
não rastejassem pelo chão.

Onde a dor refletisse
alivio
feito andorinhas livres.

Onde juntos colhêssemos
tulipas negras ou vermelhas
entre verdes vales.

Onde eu, você e a lua
fossemos uníssono.

Talvez houvesse um tempo
e um lugar
de terrível e imaginária beleza
onde eu existo
e penetro em você
a beira de um despenhadeiro
onde todos os nossos
prazeres desaguam.

Talvez houvesse um tempo
onde simplesmente lá
nos encontrássemos.

Talvez houvesse
um tempo,
talvez...

sábado, 23 de julho de 2016

COM O TEMPO ESMAGADO E ATRAVESSANDO OS PONTEIROS, A LAMINA PERMANECE AFIADA






A seu tempo e somente assim.

Acordado da noite onde novamente o sono
não pousou.

Na morna manhã de sábado onde a alvorada precipita-se
e o sol vagarosamente ocupa seu espaço na varanda.

Entre o cheiro de café e os dentes repletos de migalhas de pão. Dentro do pijama surrado, escondendo as feridas do corpo.

A seu tempo e somente assim.

Alienado aos carros que rompem a poluição como um castigado dia, enquanto os cães abandonam seus próprios rabos ao passeio de seus donos. 

Ele prepara o mate amargo perseguido pelo fazer de um milhão de coisas novas.

Antevendo. Agindo antes da ocorrência.

Com o pouco vagar do realizado trabalho
e com a voz consciência do velho mestre a espreita
"não tente, se for apenas para tentar, nem comece...”

A seu tempo e somente assim.

Faz frio. O minuano sopra passados incontornáveis
em sua mente.

Ele senta. Suas costas viradas para a lareira.
Com o alvo a sua frente, e com suas mãos tremulas. Vacilante. Socas as teclas.  

As palavras correndo no branco da tela,
uma após a outra, da esquerda para a direita, 
interligando o cognitivo as ideias e o vórtice.

A seu tempo e somente assim.

Depois de horas, dias, meses, anos, vidas, planetas, galáxias, sem escrever nada.

Ao som colorido do deslocamento das borboletas.

Ele escreveu o poema.

CONSEGUIU.


domingo, 17 de julho de 2016

O DIA EM QUE VESTI A 9 DO TAMOIO DE VIAMÃO



 


Era um domingo de frio, céu limpo e sol esplêndido. Daqueles de comer bergamota e lagartear. Um dia de outono comum e diferente em Viamão. Dia em que eu vestiria a mística 9, a grandiosa camisa rubro-negra do Tamoio Futebol Clube, o  “Índio Viamonense”. 

Eu nunca havia jogado no Tamoio. Eu jogava no Metropol, treinado pelo Augusto. Conhecido como Negão Augusto. O Negão sabia das coisas. Bebias as suas. Agrupava o time. Distribuía as camisas. Me entregava a 9. Palestrava com garra, botava os bonecos pra jogar e soltava o verbo:

- Vamo, vamo, vamo... pega, pega, pega... tu vai mas não voltaaaa...

Eu era jovem, magro, alto e cabeludo. Usava uma faixa na cabeça para segurar os cabelos castanhos compridos. Era um Sócrates. Porém, claro, sem futebol que justificasse tal comparação, e muito menos o atrevimento.

Minha chuteira era preta, surrada e emprestada. Uma chuteira usada do Breno Brito, que recebera do lendário lateral Paulo Roberto, irmão do não menos lendário Cabeça. 

O Metropol jogava domingo sim e domingo não pelos campos de Viamão. E domingo sim e domingo não, eu metia gol. Sabe-se lá como. Deus não explica tudo. Muito menos isso.

Eu fazia gol, afinal, não por se bom e sim por ser centroavante. Dos que atira primeiro e pergunta depois. A bola entrava.

O fato é que o Negão Augusto era apaixonado por futebol, gostava da minha bola, e me botava pra correr como seu titular da camisa 9. Naquele time azul e amarelo  jogavam comigo: Wellington, Clóvis, Vitor Hugo, Pico, Rômulo, Mario Sergio, entre outros. Não era um time ruim. Havia entrosamento. Eventualmente ganhávamos.

E a bola rolava e a alegria transbordava naqueles domingos.

Um tempo simples e romântico onde o Brasil era a potência do futebol. Onde não existia o placar de 7x1. Onde a galera só queriam jogar bola e rezar pela amarelinha, e jamais pelas camisas Europeias.    

Então, não lembro por que ou como, me chamaram para jogar no Tamoio. Acho que foi coisa do Breno Brito, que a tempos jogava por lá. Breno sempre reconheceu bons jogadores. Entretanto, dessa vez, não sei como foi cair nessa armadilha.

O fato, é que eu estava na área. Estádio Edgar Leitão Teixeira, arena do Tamoio, onde, em jogos festivos, jogaram nada menos do que Renato e Ronaldinho Gaúcho, Figueroa e Mauro Galvão, Batista e Tarcício. Apenas para citar alguns.

Porém, aqui, falo de um Tamoio ainda sem a cara atual. Com as antigas arquibancadas de madeira e com o olhar nostálgico, ao fundo, do Castelo Branco. Ele ainda sofreria, com o apoio do então Prefeito Tapir Rocha, as alterações em direção aos dias de hoje.

Marçal era o nosso treinador naquele domingo de sol. Em campo, além do camisa 9 que vos fala, Orfeu no gol, João Luis e Breno Brito na zaga, Cédio, Cadu e Nenê Balaca no meio e o rápido Mameluco no ataque, entre outros, que agora não me recordo.

Após a preleção, uniformizados, entramos em campo. Para jogar contra quem? Metropol, o Leão Viamonense. Sim, é verdade, meu ex-time.

Ainda antes de colocar o pé direito no gramado meus olhos alcançam o Negão Augusto. Cumprimentei-o. Ele virou e lascou:   

- Bah, então te bandeastes pra esses lados...

É um sentimento estranho estar do outro lado, quando até pouco tempo você estava no mesmo lado. Alguns jogadores, amigos, do Metropol, também me cumprimentaram.  

O Juiz apita. Inicia a partida.  Está valendooooo!!!

A bola quica no gramado alto e irregular do Tamoio, amainada pela habilidade de alguns e judiada pela canela de outros. Sol, suor, confronto, tensão, o barulho da batida na bola, o pequena público na arquibancada e a gritaria em campo. Nada mais. Nada de gol.

Puxo pela memória e me recordo de um lance de trivela. Pimba. Beleza. Só que não. A bola sem rumo rola pela lateral do campo.

Então o rápido Mameluco cruza a bola em frente a área. Eu a domino. Um rápido olhar para o gol. Disparo. A bola se perde sobre a trave. Olhei para o banco. Negão Augusto estava em pé de braços cruzados. Era o gol que eu deveria ter feito. O gol que jamais fiz com a camisa 9 do Tamoio.

O segundo tempo não foi muito diferente. Em determinado momento fui substituído  por outro centroavante. Saio de campo com jeito de cusco pedindo carinho e seguido pelos olhos do Negão Augusto.  

Do banco eu assisto a cabeçada certeira em direção ao gol. Feitooooo!!! 1 a zero. Atuamos pelo resultado, e vencemos o Metropol.

Negão Augusto, na beira do campo, olha pro banco e me encontra sentado. Não disse nada. Hesitei, e também não falei nada. Não havia o que dizer.

Chuveirada, cervejada, muita flauta e o escambau, enquanto caía a tarde em Viamão e o sol dobrava no horizonte.

No domingo seguinte eu não entrei em campo. Em nenhum outro domingo eu entrei em campo. Eu nunca mais vestiria a 9, seja do Tamoio ou não.

Tirei o time de campo. Pendurei as chuteiras. Melhor, devolvi-as ao Breno Brito. Não era pra mim.

Assim, fui bandear para outros lados longe dos gramados de Viamão. Coloquei o pé na estrada em busca de meu espaço. 

Me questiono porque não fui falar com o Negão Augusto. A frase não dita que ficou dependurada em alguma forma de inquietação e dúvida se esvazia com o passar dos anos.

Águas passadas não movem moinhos. É pra frente que se anda. Enfim, a melhor defesa é o ataque, não é mesmo?

O tempo e a idade nos fazem enxergar erros, mas também acertos. Nos faz perseguir uma identidade e um pertencimento. É como certa vez disse o Professor Rui Carlos Ostermann: 

A idade é, sobretudo, a acumulação de experiência. É uma espécie de esclarecimento sobre as coisas que acontecem. É o modo como a gente já fez coisas, já passou por elas, tomou decisões a respeito delas, voltou atrás, se corrigiu e até já ficou quieto. É um amplo quadro, dentro do qual a gente consegue transitar para cá e para lá e vai acrescentando aquilo que a gente é...”

Resta comigo a memória afetiva e o carinho de uma tarde de sol, de um domingo de futebol, de uma camisa 9, de um gol que não veio e de um Tamoio eterno. 



domingo, 10 de julho de 2016

DEIXE QUE UMA LOUCURA LEGÍTIMA TOME CONTA DE VOCÊ

       

Por que razão estou tão magro, cansado, embotado, trancado, esgotado... Sinto que tenho uma alma enrugada. 

Penso que seja o espaço. O espaço entre uma coisa e outra, entretanto não posso afirmar.  

Quero o que não quero. Um zumbido. Um nada. 

Mudanças semânticas e uvas azedas dá no mesmo afinal. 

Fibras e tripas e bater, bater, bater no teclado.  

Fotografo palavras mordendo o papel.  

Algo muito próximo do osso. Acredito. 

Pertenço ao lugar onde permanentemente se acerta a medida na balança. 

Já enlouqueci algumas vezes e conheço alguns que já enlouqueceram de vez. 

Porém há alguns que nunca enlouqueceram, nunca se permitiram.  

Quanta virtude!  

Estes devem saber de algo mais.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

AQUELAS TARDES DE SOL ARDENTE SENTADOS NO MURO DO VIZINHO.






Todos traziam faces de tristeza, onde desenhava-se o desencanto.

O Brasil acabara de perda a Copa de 82. Paulo Rossi marcara definitivamente 3 vezes nossos corações.

- Como isso pode ocorrer? Somos bem melhores do que eles...

Apenas um dos inúmeros episódios vividos naquelas tardes de sol ardente sentados no muro do vizinho.

Romer, Tito, Vitor, Zico, Kiko, Ico, Tita, Cédio, Wellington, Laurinho... todos, a seu modo, fazendo sombra, sentados no muro do vizinho naquelas vagarosas tardes.

Modorrentamente, tudo passava sem pressa. Os ponteiros do relógio esquecidos em algum baú do tempo.

O mate verde e amargo aparecia, e generoso, servia a alma de todos na roda.

As palavras navegavam em um mar seguro. Nos levava do futebol dos pampas  ao jogo de botão. Do Falcão ao Renato Gaúcho. Do violão dedilhado ao Acordes e Sementes. Das fitas de cassete às noites intermináveis do Cantegril.

Tudo era possível. Sabíamos muito. Um pouco de tudo.  

Quem seria o campeão do futsal do Guido. Quem estaria no sítio do tio do Romer. Quem jogaria domingo na chácara dos Japoneses. Castelinho, Juvenil ou Cantegril. Quem ficaria com quem, afinal.

E, claro, com certa frequência, tínhamos como fundo musical as músicas (em inglês) cantaroladas pelo Kiko, e que eram acompanhadas pelo olhar atravessado do Zico. As pupilas castanhas no canto do olho, como quem espia desconfiado.

Aquela esquina, onde o muro que nos servia encontrava o sol, era democrática, sem dúvida.

De tudo se falava. De tudo se ouvia. A inclusão era mandatória. Quem faltava, não sabia o que ocorria e ficava para trás. Marcar presença era sinônimo de estar sabendo.

Havia, sobretudo, uma complacência quase religiosa. Uma amizade. Um caminho simples a percorrer. As tardes eram esplêndidas e vividas uma a uma, interligadas pela corrente do cotidiano vivido e sopradas pelo velho minuano.

Eventualmente, uma bergamota descascada e mastigada ao sol. O cheiro de suas cascas alaranjadas misturado com as jovens piadas da juventude.

Eventualmente, uma criatura bela passava e era seguida pausadamente pelos olhos inquietos do muro.

O muro do vizinho era o nosso shopping center cercado de seu próprio colorido. Lojas imaginárias vendendo jovialidade. Um pequeno parque de diversão, com direito a amizade, conversas afiadas, gargalhadas e chacotas.

Um passeio, onde, de longe, jamais houvera um olhar entediado.

A chuva, vez que outra, nos afastava do muro. Porém o sol radiante nos colocava a postos novamente.

Queríamos ver o dia passar através de gente. Queríamos ser gente. Crescer e ganhar o mundo. O nosso mundo. Cada um a seu modo. Sob o seu ponto de vista. O mundo logo ali ou muito longe dali. Isso, pouco importava.

Tínhamos intimidade com o muro do vizinho. Era confiável. Nunca falou nada a ninguém sobre tudo que ali ouvira. Estávamos salvos, e seguros.  

Enfim, tudo tão agradável e fácil como citar o conhecido Juremir Machado da Silva, “Sim, aos poucos, vamos aprendendo a não jogar para não perder. Há quem perca a beleza do pôr do sol por ter sido convencido de que é brega. Há quem perca o encontro com os amigos por ter de dedicar todos o seu tempo aos inimigos. Eu perdi tanta coisa que me faz falta. Onde terei deixado meus time de botão? Eu perdi tempo tentando ganhar tempo. Perdi alegria tentando ganhar felicidade. Perdi de dizer: a vida é boa.”

Entretanto, todos, afinal, estamos demasiadamente ocupados tentando ganhar. E, por vezes, esquecemos de nos questionar, o que estamos ganhando.

Saímos de um lugar, seja na infância, seja na juventude, seja na memória, mas encantados permanecemos nele, e assim, o lugar nunca sai de nós.

É feito um existencialismo tardio, acredito.

Acordado. Em pé. Banho e café tomado. Que gravata eu ponho? Agora é sair e seguir o cotidiano até o final da linha.

Aquelas tardes de sol ardentes sentados no muro do vizinho...

E dizer que todas aquelas tardes
foram perdidas
para a ansiedade inglória dos dias de hoje.