sexta-feira, 8 de julho de 2016

AQUELAS TARDES DE SOL ARDENTE SENTADOS NO MURO DO VIZINHO.






Todos traziam faces de tristeza, onde desenhava-se o desencanto.

O Brasil acabara de perda a Copa de 82. Paulo Rossi marcara definitivamente 3 vezes nossos corações.

- Como isso pode ocorrer? Somos bem melhores do que eles...

Apenas um dos inúmeros episódios vividos naquelas tardes de sol ardente sentados no muro do vizinho.

Romer, Tito, Vitor, Zico, Kiko, Ico, Tita, Cédio, Wellington, Laurinho... todos, a seu modo, fazendo sombra, sentados no muro do vizinho naquelas vagarosas tardes.

Modorrentamente, tudo passava sem pressa. Os ponteiros do relógio esquecidos em algum baú do tempo.

O mate verde e amargo aparecia, e generoso, servia a alma de todos na roda.

As palavras navegavam em um mar seguro. Nos levava do futebol dos pampas  ao jogo de botão. Do Falcão ao Renato Gaúcho. Do violão dedilhado ao Acordes e Sementes. Das fitas de cassete às noites intermináveis do Cantegril.

Tudo era possível. Sabíamos muito. Um pouco de tudo.  

Quem seria o campeão do futsal do Guido. Quem estaria no sítio do tio do Romer. Quem jogaria domingo na chácara dos Japoneses. Castelinho, Juvenil ou Cantegril. Quem ficaria com quem, afinal.

E, claro, com certa frequência, tínhamos como fundo musical as músicas (em inglês) cantaroladas pelo Kiko, e que eram acompanhadas pelo olhar atravessado do Zico. As pupilas castanhas no canto do olho, como quem espia desconfiado.

Aquela esquina, onde o muro que nos servia encontrava o sol, era democrática, sem dúvida.

De tudo se falava. De tudo se ouvia. A inclusão era mandatória. Quem faltava, não sabia o que ocorria e ficava para trás. Marcar presença era sinônimo de estar sabendo.

Havia, sobretudo, uma complacência quase religiosa. Uma amizade. Um caminho simples a percorrer. As tardes eram esplêndidas e vividas uma a uma, interligadas pela corrente do cotidiano vivido e sopradas pelo velho minuano.

Eventualmente, uma bergamota descascada e mastigada ao sol. O cheiro de suas cascas alaranjadas misturado com as jovens piadas da juventude.

Eventualmente, uma criatura bela passava e era seguida pausadamente pelos olhos inquietos do muro.

O muro do vizinho era o nosso shopping center cercado de seu próprio colorido. Lojas imaginárias vendendo jovialidade. Um pequeno parque de diversão, com direito a amizade, conversas afiadas, gargalhadas e chacotas.

Um passeio, onde, de longe, jamais houvera um olhar entediado.

A chuva, vez que outra, nos afastava do muro. Porém o sol radiante nos colocava a postos novamente.

Queríamos ver o dia passar através de gente. Queríamos ser gente. Crescer e ganhar o mundo. O nosso mundo. Cada um a seu modo. Sob o seu ponto de vista. O mundo logo ali ou muito longe dali. Isso, pouco importava.

Tínhamos intimidade com o muro do vizinho. Era confiável. Nunca falou nada a ninguém sobre tudo que ali ouvira. Estávamos salvos, e seguros.  

Enfim, tudo tão agradável e fácil como citar o conhecido Juremir Machado da Silva, “Sim, aos poucos, vamos aprendendo a não jogar para não perder. Há quem perca a beleza do pôr do sol por ter sido convencido de que é brega. Há quem perca o encontro com os amigos por ter de dedicar todos o seu tempo aos inimigos. Eu perdi tanta coisa que me faz falta. Onde terei deixado meus time de botão? Eu perdi tempo tentando ganhar tempo. Perdi alegria tentando ganhar felicidade. Perdi de dizer: a vida é boa.”

Entretanto, todos, afinal, estamos demasiadamente ocupados tentando ganhar. E, por vezes, esquecemos de nos questionar, o que estamos ganhando.

Saímos de um lugar, seja na infância, seja na juventude, seja na memória, mas encantados permanecemos nele, e assim, o lugar nunca sai de nós.

É feito um existencialismo tardio, acredito.

Acordado. Em pé. Banho e café tomado. Que gravata eu ponho? Agora é sair e seguir o cotidiano até o final da linha.

Aquelas tardes de sol ardentes sentados no muro do vizinho...

E dizer que todas aquelas tardes
foram perdidas
para a ansiedade inglória dos dias de hoje. 


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