Todos traziam faces de tristeza, onde
desenhava-se o desencanto.
O Brasil acabara de perda a Copa de
82. Paulo Rossi marcara definitivamente 3 vezes nossos corações.
- Como isso pode ocorrer? Somos bem
melhores do que eles...
Apenas um dos inúmeros episódios vividos
naquelas tardes de sol ardente sentados no muro do vizinho.
Romer, Tito, Vitor, Zico, Kiko, Ico, Tita,
Cédio, Wellington, Laurinho... todos, a seu modo, fazendo sombra, sentados no
muro do vizinho naquelas vagarosas tardes.
Modorrentamente, tudo passava sem
pressa. Os ponteiros do relógio esquecidos em algum baú do tempo.
O mate verde e amargo aparecia, e
generoso, servia a alma de todos na roda.
As palavras navegavam em um mar seguro.
Nos levava do futebol dos pampas ao jogo
de botão. Do Falcão ao Renato Gaúcho. Do violão dedilhado ao Acordes e Sementes.
Das fitas de cassete às noites intermináveis do Cantegril.
Tudo era possível. Sabíamos muito. Um
pouco de tudo.
Quem seria o campeão do futsal do
Guido. Quem estaria no sítio do tio do Romer. Quem jogaria domingo na chácara
dos Japoneses. Castelinho, Juvenil ou Cantegril. Quem ficaria com quem, afinal.
E, claro, com certa frequência, tínhamos
como fundo musical as músicas (em inglês) cantaroladas pelo Kiko, e que eram acompanhadas
pelo olhar atravessado do Zico. As pupilas castanhas no canto do olho, como
quem espia desconfiado.
Aquela esquina, onde o muro que nos
servia encontrava o sol, era democrática, sem dúvida.
De tudo se falava. De tudo se ouvia.
A inclusão era mandatória. Quem faltava, não sabia o que ocorria e ficava para
trás. Marcar presença era sinônimo de estar sabendo.
Havia, sobretudo, uma complacência quase religiosa. Uma amizade. Um caminho simples a percorrer. As tardes eram esplêndidas e vividas uma a uma, interligadas pela corrente do cotidiano vivido e sopradas pelo velho minuano.
Havia, sobretudo, uma complacência quase religiosa. Uma amizade. Um caminho simples a percorrer. As tardes eram esplêndidas e vividas uma a uma, interligadas pela corrente do cotidiano vivido e sopradas pelo velho minuano.
Eventualmente, uma bergamota
descascada e mastigada ao sol. O cheiro de suas cascas alaranjadas misturado
com as jovens piadas da juventude.
Eventualmente, uma criatura bela
passava e era seguida pausadamente pelos olhos inquietos do muro.
O muro do vizinho era o nosso shopping center cercado de seu próprio
colorido. Lojas imaginárias vendendo jovialidade. Um pequeno parque de diversão,
com direito a amizade, conversas afiadas, gargalhadas e chacotas.
Um passeio, onde, de longe, jamais
houvera um olhar entediado.
A chuva, vez que outra, nos afastava
do muro. Porém o sol radiante nos colocava a postos novamente.
Queríamos ver o dia passar através de
gente. Queríamos ser gente. Crescer e ganhar o mundo. O nosso mundo. Cada um a
seu modo. Sob o seu ponto de vista. O mundo logo ali ou muito longe dali. Isso,
pouco importava.
Tínhamos intimidade com o muro do
vizinho. Era confiável. Nunca falou nada a ninguém sobre tudo que ali ouvira. Estávamos
salvos, e seguros.
Enfim, tudo tão agradável e fácil
como citar o conhecido Juremir Machado da Silva, “Sim, aos poucos,
vamos aprendendo a não jogar para não perder. Há quem perca a beleza do pôr do
sol por ter sido convencido de que é brega. Há quem perca o encontro com os
amigos por ter de dedicar todos o seu tempo aos inimigos. Eu perdi tanta coisa
que me faz falta. Onde terei deixado meus time de botão? Eu perdi tempo
tentando ganhar tempo. Perdi alegria tentando ganhar felicidade. Perdi de
dizer: a vida é boa.”
Entretanto, todos, afinal, estamos
demasiadamente ocupados tentando ganhar. E, por vezes, esquecemos de nos questionar,
o que estamos ganhando.
Saímos de um lugar, seja na infância,
seja na juventude, seja na memória, mas encantados permanecemos nele, e assim, o
lugar nunca sai de nós.
É feito um existencialismo tardio,
acredito.
Acordado. Em pé. Banho e café tomado.
Que gravata eu ponho? Agora é sair e seguir o cotidiano até o final da linha.
Aquelas tardes de sol ardentes sentados
no muro do vizinho...
E dizer que todas aquelas tardes
foram perdidas
para a ansiedade inglória dos dias de
hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário