domingo, 29 de maio de 2016

ESPINHOSA MISSÃO


              
            
São 7h15. Eu sento na poltrona 20C. Prefiro corredor.

Estou na Ponte Aérea. De um lado da ponte para o outro.
Naquele ano foi isso todas as semanas. 

No corredor, vindo contra mim, um gordo de aparência inepta.

Mira em mim. Chega cada vez mais perto. Me alcança. Desvia o olhar sobre minha cabeça e dá um sorriso.

O próximo é um magro de aparência não inepta. Faz o mesmo. Me alcança. Desvia o olhar sobre minha cabeça e dá um sorriso.

Olho para trás e entendo a piada. 

Sentado atrás de mim um ator famoso de novela. E eu precisando de óculos melhores.

Então entra a Madame. 

Tipo boneca de cera, quatro ou cinco camadas de batom cor rosa excessivo. Muito alta. Trazendo um cabelo ruivo vermelho fogo. 

Um verdadeiro inferno na torre. 

"Com sua licença." 

Putz, tinha que sentar ao meu lado. Levanto. Ela senta. Eu sento.  

Toca o celular. Ela atende. 

"Oi baby, baby, eu to indo..."

Voz afetada demais para o cedo da manhã. Desliga o celular.

Então ela pesca da bolsa um livro de bolso. Coloca os óculos. Inicia a leitura. Bom você sabe não é? Somos curiosos.

O livro era de um escritor estadunidense conhecido, o titulo: "O Amor é um cão dos diabos." 

Pensei. Não acredito. Como pode? É possível que meu livro
um dia caia na mão de uma mulher dessas? 

Bom, escrevemos para sermos lidos afinal. Mesmo que as avessas, enquanto escrevemos para nós mesmos. 

Olho pela janela do avião. Escuto os barulhos do mundo.  

Um resto de sol aponta para a pista, à medida que um passáro azul decola. 

Sim, o dia será longo. 

O vôo saiu no horário.



UMA GAIOLA EM BUSCA DE PASSAROS COLORIDOS





        

Recolhi-me aos 40. Reuni coisas dispersas. Retornei passado aos 50.   
 

Migú era, continua assim.


Loira, olhos claros e constantes, 
piada campineira, sorrisos vários e 
uma caipirinha na mão.


João, que é cachorro ou taxista?
Osvaldinho, atrapalhando as palavras?
Cavalo velho, liderando a ponta da corrida?


O clima era bom. Tipo veranico de férias. 
Sanduíche psicodélico com Beethoven.
Celebrare o Charles Ed com Rock Café.
Na Lagoa ou na Vila Madalena.


E Migú, sempre cercada de jovens pássaros. Aqui, 
acolá, dela prá cá e sempre.


Feito uma gaiola em busca deles.
 

Repetindo a história da corrente no velório. 
Ou do ovo. Qual foi o ovo que matou teu sogro? 


Dizíamos que ela precisava ficar com o Chefe.
Alguém deveria conter tudo aquilo,
afinal.


Migú, Migú, Migú, 
que derrubou o Birão em Salvador
e deixou o Tessa estendido nos degraus do Rio
e outros ainda por vir...


Ás vezes ficava escondida, 
imitava a Lua e suas fases, 
mas nunca perdia o seu brilho de luar.


Eu a vi outro dia em meio a novos 
pássaros coloridos.


A gaiola com a porta aberta os atraindo 
para dentro.


Migú era, continua assim.


Uma boa pessoa 
escondida em suas caricaturas da vida
"eu sou pobre, mas limpinha..."


Migú era, continua assim.


Sempre mantendo a alma viva e virada do avesso.


Refletindo festa. Onde a magia não cessa.
A música não cala & a luz 
não se apaga.


domingo, 22 de maio de 2016

QUE PASSADO BUSCAMOS TER DAQUI A ALGUNS ANOS?





O espelho 
apresenta outro
não eu.
Ou já não são as coisas 
do jeito 
que  costumavam 
ser?


Algum sábio já
tocou a sineta  
"O futuro é o passado em preparação."
Paradoxal, não?


Nos afligimos 
como se o tempo 
não fosse 
um problema.


O que fazer 
para não sermos 
uma jogada óbvia?
Vislumbrar
o que será
e buscá-lo 
perseverantemente?


Deserdamos
de nossos sonhos
por que envelhecemos
ou envelhecemos por que
deserdamos de   
nossos sonhos?


Nos deparamos 
com o silêncio do oceano 
colecionando expectativas.


Por certo,
a grande maioria 
de nós, neste quesito,   
sempre esteve errada.


Afinal, o futuro
tem um coração antigo, 
não é mesmo?
 

Essas violentas palavras 
atravessam paredes 
nesta noite  
de pouco vigor.


Enquanto isso,
um raio risca a escuridão.


Uma chuva se precipita.


As luzes da cidade apagam-se.
Alguém morre
          na esquina da madrugada.
Inicia-se um novo capitulo.


Um gato dispara num salto
surdo.


E nada, nada mais,
acontece.






sábado, 21 de maio de 2016

ALMA NEGRA



   








Bebíamos vagarosamente esse vinho 
no Cabaña La Lilas. Curtíamos o belo visual do Puerto Madero. Comíamos Bifes de Chorizo.

De tão maravilhoso que  é 
costumo  dizer 
que existe algo acima
e algo abaixo
e que o meio, o meio, 
é preenchido pelo Alma Negra.

O filho do homem preparou um corte secreto
e batizou-o de Mistério.

Foram duas garrafas misteriosas
garganta abaixo.

A carne vermelha contrastando com a coloração rubi intensa do vinho. 

Um espaço atemporal onde o prazer não se revela, nem as castas utilizadas e nem a proporção do Blend.   

A brisa natural que percorria o Rio e o tímido Sol pedia mais. 

Então, diante de uma rigorosa espontaneidade, sugeri o Gran Café Tortoni. 

Eu sei onde fica. Apontei e seguimos a direção do meu dedo.

Caminhamos e caminhamos e caminhamos  
mais e de novo.

Você sabe não é? O vinho. E nada do Gran Café Tortoni.

Alcancei o Guarda de rua, e ele apontou
para o lado contrário.

Então, todos ficaram boquiabertos 
quando correndo atravessei a longa avenida, 
e parado, braços abertos, feito uma cruz, 
forcei o motorista a brecar violentamente o táxi.

Cento e cinquenta anos de Café Tortoni. 

Primeiro a fila na porta. Depois, você é mental-transportado para uma outra época.

Algo mais nobre e digno, a principio. Algo perdido não no tempo mas nas palavras de Borges.

''Morrerei e comigo irá a soma do intolerável universo."  

O fantasma de Carlos Gardel tocando seu tango. O pequeno teatro escada abaixo. As maravilhosas Medialunas. O café cortado. Os amigos.

Contendo a alma, fomos reduzidos ao silêncio.

Eu pouco sei sobre a mão de Deus de Maradona.

Mas te garanto, ou quase, 
existe Mistério
se o vinho for Alma Negra.