Flor dos Pinheirais, conhecido por Bar do Vasco. Batizado, carinhosamente,
pelo Sid de boteco da Deprê.
Ficava na esquina da Duque de Caxias com a General Vasco Alves. Não
fica mais. O Bar baixou suas cortinas pela última vez.
O Vasco, era um carioca envelhecido. Há muito deixara o Rio.
Gostava de contar seus causos sobre uma época melhor. Tinha barba branca e olhos miúdos que apontavam um para cada lado.
Lembrava, de certa forma, um Quasímodo.
Seu herói, claro, era o Carlos Roberto de Oliveira, mais
conhecido como Roberto Dinamite.
O Bar, era uma casa antiga de dois andares. Vestida de um
amarelo fraco descascado. Era sombrio. Com pessoas castigadas. Esquecidas. Amedrontadas
pelo tempo. Surradas pela vida. Cansadas da trincheira.
Kovaski morava perto. Sozinho. Gostava de estar lá vez que
outra.
Recém saído de um casamento. Sentia-se só. E ali, em meio a
tantos que não deram certo, segundo sua avaliação, ele encontrava algum conforto.
Era inicio da década 90. E o melhor do Bar era o bolinho
de carne. A Polar. E o orelhão. Permitia que Kovaski, comesse, bebesse e
discasse para alguém quando necessário.
Sempre sentava nos bancos do balcão perto da antiga caixa registradora
nacional. Travava conversas longas com o Vasco sobre várias coisas da época.
Futebol. Política e inflação. Coisas sobre o bairro. Amores
perdidos. Maravilhas da cidade maravilhosa. Corridas do Ayrton Sena. Lutas do
Mike Tyson. Ou ainda, sobre a frequência com que as cozinheiras invariavelmente
faltavam ao trabalho.
E a ceva era boa, barata e gelada. Fazendo com que ele permanecesse
por ali. As noite, até certo ponto, eram agradáveis.
Vez que outra, no verão, uma chuva fina escorria pelo Bar.
Seu som produzia uma quietude na alma.
O ponto forte eram as segundas-feiras. Diferente dos
demais botecos, segunda, ali, abafava. O ritmo do lugar era outro. As músicas
do três-em-um do Vasco eram melhores selecionadas. Um pequeno fog esfumacento,
devido aos charutos e cigarros, era constante. Ouvia-se, eventualmente, alguma gargalhada.
Olhando pela porta, na diagonal do Bar, avistava- se o
Castelinho do Alto da Bronze. Construído na década de 40 por um político para aprisionar
sua amante. Lindo quando coberto pelo véu do luar, que, vez ou outra, banhava o
Guaíba e o Alto da Bronze.
Foi eternizado no conto do Juremir Machado da Silva.
Porem o que Kovaski mais procurava ali não era a companhia.
Que ele não encontrava. Era a necessidade de estar só entre outros. Permanecer
não visto. Invisível. Porem não só.
(Des)acompanhado pela solidão que o lugar lhe trazia.
Ele não conhecia ninguém ali. E não se importava com isso.
Os rostos mal tratados, talhados por rugas, cobertos por cabelos brancos e
subjugados pela vida, até lhe trazia um certo alento.
O alento de não ser só ele. O de a vida ser assim. O de
tudo permanecer entre eles. Como um segredo salvo entre todos. Como quem espera
a vez sem saber quem seria o próximo da fila.
Kovaski nutria um espirito excepcional. Estar com ele mesmo,
naquele lugar, lhe fazia bem. Um certo sentimento de liberdade que lhe permitia um ato puro e interior.
Ao retornar lá recentemente, surpreso ao não encontrar o Bar
aberto, Kovaski percebeu que algo ali havia se perdido. Que algo dentro dele
também havia se perdido. E que nem ao menos houvera uma despedida.
O tempo havia consumido os anos. O Bar, ficara no passado.
Pensou no Vasco pela última vez. Gostou da lembrança.
Sorriu.
Então com um sol vermelho pondo-se as suas costas, Kovaski
subiu vagarosamente a Duque de Caxias em direção ao centro da cidade.
E não olhou mais para trás.
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