domingo, 17 de julho de 2016

O DIA EM QUE VESTI A 9 DO TAMOIO DE VIAMÃO



 


Era um domingo de frio, céu limpo e sol esplêndido. Daqueles de comer bergamota e lagartear. Um dia de outono comum e diferente em Viamão. Dia em que eu vestiria a mística 9, a grandiosa camisa rubro-negra do Tamoio Futebol Clube, o  “Índio Viamonense”. 

Eu nunca havia jogado no Tamoio. Eu jogava no Metropol, treinado pelo Augusto. Conhecido como Negão Augusto. O Negão sabia das coisas. Bebias as suas. Agrupava o time. Distribuía as camisas. Me entregava a 9. Palestrava com garra, botava os bonecos pra jogar e soltava o verbo:

- Vamo, vamo, vamo... pega, pega, pega... tu vai mas não voltaaaa...

Eu era jovem, magro, alto e cabeludo. Usava uma faixa na cabeça para segurar os cabelos castanhos compridos. Era um Sócrates. Porém, claro, sem futebol que justificasse tal comparação, e muito menos o atrevimento.

Minha chuteira era preta, surrada e emprestada. Uma chuteira usada do Breno Brito, que recebera do lendário lateral Paulo Roberto, irmão do não menos lendário Cabeça. 

O Metropol jogava domingo sim e domingo não pelos campos de Viamão. E domingo sim e domingo não, eu metia gol. Sabe-se lá como. Deus não explica tudo. Muito menos isso.

Eu fazia gol, afinal, não por se bom e sim por ser centroavante. Dos que atira primeiro e pergunta depois. A bola entrava.

O fato é que o Negão Augusto era apaixonado por futebol, gostava da minha bola, e me botava pra correr como seu titular da camisa 9. Naquele time azul e amarelo  jogavam comigo: Wellington, Clóvis, Vitor Hugo, Pico, Rômulo, Mario Sergio, entre outros. Não era um time ruim. Havia entrosamento. Eventualmente ganhávamos.

E a bola rolava e a alegria transbordava naqueles domingos.

Um tempo simples e romântico onde o Brasil era a potência do futebol. Onde não existia o placar de 7x1. Onde a galera só queriam jogar bola e rezar pela amarelinha, e jamais pelas camisas Europeias.    

Então, não lembro por que ou como, me chamaram para jogar no Tamoio. Acho que foi coisa do Breno Brito, que a tempos jogava por lá. Breno sempre reconheceu bons jogadores. Entretanto, dessa vez, não sei como foi cair nessa armadilha.

O fato, é que eu estava na área. Estádio Edgar Leitão Teixeira, arena do Tamoio, onde, em jogos festivos, jogaram nada menos do que Renato e Ronaldinho Gaúcho, Figueroa e Mauro Galvão, Batista e Tarcício. Apenas para citar alguns.

Porém, aqui, falo de um Tamoio ainda sem a cara atual. Com as antigas arquibancadas de madeira e com o olhar nostálgico, ao fundo, do Castelo Branco. Ele ainda sofreria, com o apoio do então Prefeito Tapir Rocha, as alterações em direção aos dias de hoje.

Marçal era o nosso treinador naquele domingo de sol. Em campo, além do camisa 9 que vos fala, Orfeu no gol, João Luis e Breno Brito na zaga, Cédio, Cadu e Nenê Balaca no meio e o rápido Mameluco no ataque, entre outros, que agora não me recordo.

Após a preleção, uniformizados, entramos em campo. Para jogar contra quem? Metropol, o Leão Viamonense. Sim, é verdade, meu ex-time.

Ainda antes de colocar o pé direito no gramado meus olhos alcançam o Negão Augusto. Cumprimentei-o. Ele virou e lascou:   

- Bah, então te bandeastes pra esses lados...

É um sentimento estranho estar do outro lado, quando até pouco tempo você estava no mesmo lado. Alguns jogadores, amigos, do Metropol, também me cumprimentaram.  

O Juiz apita. Inicia a partida.  Está valendooooo!!!

A bola quica no gramado alto e irregular do Tamoio, amainada pela habilidade de alguns e judiada pela canela de outros. Sol, suor, confronto, tensão, o barulho da batida na bola, o pequena público na arquibancada e a gritaria em campo. Nada mais. Nada de gol.

Puxo pela memória e me recordo de um lance de trivela. Pimba. Beleza. Só que não. A bola sem rumo rola pela lateral do campo.

Então o rápido Mameluco cruza a bola em frente a área. Eu a domino. Um rápido olhar para o gol. Disparo. A bola se perde sobre a trave. Olhei para o banco. Negão Augusto estava em pé de braços cruzados. Era o gol que eu deveria ter feito. O gol que jamais fiz com a camisa 9 do Tamoio.

O segundo tempo não foi muito diferente. Em determinado momento fui substituído  por outro centroavante. Saio de campo com jeito de cusco pedindo carinho e seguido pelos olhos do Negão Augusto.  

Do banco eu assisto a cabeçada certeira em direção ao gol. Feitooooo!!! 1 a zero. Atuamos pelo resultado, e vencemos o Metropol.

Negão Augusto, na beira do campo, olha pro banco e me encontra sentado. Não disse nada. Hesitei, e também não falei nada. Não havia o que dizer.

Chuveirada, cervejada, muita flauta e o escambau, enquanto caía a tarde em Viamão e o sol dobrava no horizonte.

No domingo seguinte eu não entrei em campo. Em nenhum outro domingo eu entrei em campo. Eu nunca mais vestiria a 9, seja do Tamoio ou não.

Tirei o time de campo. Pendurei as chuteiras. Melhor, devolvi-as ao Breno Brito. Não era pra mim.

Assim, fui bandear para outros lados longe dos gramados de Viamão. Coloquei o pé na estrada em busca de meu espaço. 

Me questiono porque não fui falar com o Negão Augusto. A frase não dita que ficou dependurada em alguma forma de inquietação e dúvida se esvazia com o passar dos anos.

Águas passadas não movem moinhos. É pra frente que se anda. Enfim, a melhor defesa é o ataque, não é mesmo?

O tempo e a idade nos fazem enxergar erros, mas também acertos. Nos faz perseguir uma identidade e um pertencimento. É como certa vez disse o Professor Rui Carlos Ostermann: 

A idade é, sobretudo, a acumulação de experiência. É uma espécie de esclarecimento sobre as coisas que acontecem. É o modo como a gente já fez coisas, já passou por elas, tomou decisões a respeito delas, voltou atrás, se corrigiu e até já ficou quieto. É um amplo quadro, dentro do qual a gente consegue transitar para cá e para lá e vai acrescentando aquilo que a gente é...”

Resta comigo a memória afetiva e o carinho de uma tarde de sol, de um domingo de futebol, de uma camisa 9, de um gol que não veio e de um Tamoio eterno. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário