sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O PARAÍSO SÃO CARROÇAS DE MELANCIAS!









Meu pai dirigia para lá numa DKV de cor café com leite. Através dos sonhos de Santo Antonio. Ainda pela estrada antiga. Ainda pelo final da década de 60. Ainda pelo mundo antigo.

Meu pai adorava aquele carro “é motor dois tempos, anda bem, é econômico, esses alemães sabem mesmo construir carros..."

A casa, de madeira verde envelhecida e de telhas de barro, ficava em uma esquina na primeira curva na entrada da cidade de Santa Terezinha. Lugar que, por alguma razão o acaso não esclarece, os portugueses haviam escolhido para gozar os verões.

Todas as ruas eram de chão batido e haviam poucas cercas. A casa ficava a 5 ou 6 quadras do mar. A sua frente ficavam comoros de areia e mais comoros de areia, onde anos depois, as mãos de mau pai construiriam a nossa casa da praia.

Lembro da bomba verde de ferro sugando água do poço. Água fria, salobra e de cor duvidosa. Bombávamos aquilo todos os dias.

Lembro da louça antiga e pesada. Xícaras lindas, coloridas, grandes e pesadas contendo o leite tirado de garrafas de vidro.

Lembro do cheiro do café passado no coador gasto de pano marrom.  

Lembro da comida armazenada em geladeira com barras de gelos enormes envoltos em serragem.

Lembro de meu pai plantando coisas e colhendo coisas no fundo do quintal atrás da casa.

Lembro dos sofás enormes e antigos e do balançar e estalar de suas molas.

Lembro de redes coloridas, estendidas e soltas ao vento da varanda e seus movimentos feito um pêndulo do leste para o oeste.

Lembro dos sons do assoalho da casa, do ranger, enquanto caminhávamos por ele.  

Lembro de melancias, muitas melancias, carroças de melancias, verdes, listradas, vermelhas, redondas e doces.

E lembro do barulho da chuva que caia a noite sobre o telhado de nosso sonhos.

Uma chuva fria, calma, segura, lenta, gostosa. Um tipo de chuva que já não existe mais. E após a chuva, restava somente um escuro silêncio entre um concerto de sapos.

Tudo tão passado quanto uma caixa de relógios esquecida em algum canto da memória.

Pela manhã, seguíamos a pé para praia numa caminhada longa e distante, onde eu não deixava da mão de minha mãe.

Entre outras coisas levávamos uma esteira de vime e um guarda-sol de madeira alaranjado.

Sentávamos em frente a um mar com águas de vários tons de marrom, e meu pai, com seus calções da época, sumia a braçadas mar adentro.

Eu e minha mãe fazíamos castelos na areia.

Seu braço afundava até a altura do ombro dentro de um buraco cavado. E de lá, sacava areia molhada. Fios finos de areia molhada cobriam nosso castelo de areia enquanto o sol quente e amarelo cobria nossa manhã.

O mundo ainda era uma criança brincando na areia com a sua querida mãe.

São boa lembranças. Boas o bastante para traze-las de volta agora. 

Enquanto isso, lá fora, neste presente caótico, 8 milhões de veículos roncam seus motores.




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